CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Filipe Schitino[1]
Diversos órgãos governamentais no Brasil, comumente, são assolados por práticas agressivas aos preceitos mais comezinhos de legalidade e moralidade no trato com a res pública, previstas no artigo 37, caput da Constituição Federal, acarretando-se um reflexo negativo na economia, saúde, desenvolvimento, qualidade de vida e finanças públicas, colocando em risco todo o bem viver de uma sociedade organizada.
Atento as lamentáveis distorções cometidas por agentes públicos ao longo da história recente do país e que tanto envergonham nossas gerações, o legislador constituinte originário, estabeleceu no § 4° do citado artigo da Carta[2], assegurando o direito do povo ao governo honesto, sob o palio do dever do Estado em relação aos indivíduos:
“O primeiro dever da sociedade política, sob a direção dos governantes e com o concurso dos governados, é realizar o bem público material e moral da coletividade, dentro da ordem temporal. O Estado, por meio de seus diversos serviços de governo e de administração, faz reinar a paz e a justiça, procura coordenar as atividades particulares e auxiliar as iniciativas privadas. Todos esses benefícios que formam o bem público, são oferecidos a todos e não a indivíduos determinados, são distribuídos entre os membros da coletividade política. O Estado, pois, produz e distribui os benefícios do bem público, mas essa distribuição não deve ser arbitrária, ao bel prazer e capricho dos titulares do poder.”[3]
Essa diretriz acompanhou a elaboração do Projeto de Lei tombado sob o n° 1.446/91, encaminhado ao Congresso Nacional no polêmico governo do então presidente da república Fernando Collor de Mello, idealizado pelo ínclito ex-senador Jarbas Passarinho, então Ministro da Justiça, que, sentindo-se pressionado com a endemia de corrupção nos poderes estatais, vivificou o artigo 37, § 4° da Carta Magna, asseverando que “o combate à corrupção era necessário, pois se trata de "uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País".[4]
Sancionado pelo chefe do Poder Executivo do país, a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, caracterizando-se a tentativa do legislador de coibição da histórica imoralidade no âmbito das instituições governamentais, introduzindo-se mecanismos administrativos e judiciais de combate, com as sanções de ressarcimento integral do dano causado, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário (art. 12 e incisos da LIA).
Estabelecidas tais premissas, aduz o artigo 1° da LIA (Disposições Gerais) que os atos de improbidade, podem ser colocados em prática por qualquer servidor ou não, agente público, contra a administração de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, Distrito Federal, dos municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
No mesmo sentido, incide as penalidades da LIA contra os atos praticados em detrimento do patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditório, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial á repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Tal como informa os dispositivos supra, considera-se agente público para fins de aplicabilidade da norma jurídica em exame, o disposto no artigo 2° da LIA[5], aquele que desempenha um serviço público na figura dos titulares dos poderes estatais (agentes políticos), agentes administrativos (servidores públicos), agentes honoríficos (desempenho de funções públicas por condição cívica).
Cabe acentuar que o artigo 3° da LIA é aplicável aos indivíduos não detentores de cargos, empregos e funções públicas, que concorram para a prática do ato de improbidade ou se beneficiam de forma direta ou indireta, mostrando o excessivo rigor do legislador contra a impunidade dos envolvidos, tão questionada pela população.
Abrindo o debate, esclareço que a aplicação das sanções da Lei n° 8.429/92 (Improbidade Administrativa), obedece aos mesmos preceitos do Direito Penal na tipificação das condutas imputadas aos agentes, através dos elementos objetivo e subjetivo, em matéria de violação aos princípios da administração pública contidos no artigo 37 da CF/88 (artigo 11 da LIA), admissível a manifesta amplitude na aplicação da norma. Peço venia para emprestar os conceitos penalistas sustentados pela doutrina à matéria, verbis:
“Os elementos objetivos do tipo, conforme Jescheck, têm a finalidade de descrever “a ação, o objeto da ação e, em sendo o caso, o resultado, as circunstâncias externas do fato e a pessoa do autor.” (...) “O dolo é, por excelência, o elemento subjetivo do tipo. Elemento subjetivo quer dizer elemento anímico, que diz respeito à vontade do agente.”[6]
Na mesma linha, apresentando argumentos consistentes, a jurisprudência pátria na apreciação do REsp 875.163-RS, da Relatoria da eminente Ministra Denise Arruda, julgado em 19/5/2009, admitiu-se a prática de improbidade administrativa na forma culposa, nas hipóteses de lesão ao erário nos termos do artigo 10 da LIA, pois:
“A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido tipificado previamente.”[7]
Forçoso reconhecer que as sanções aplicadas pelo Juiz nos termos do artigo 12 da LIA observam, também, os princípios da dosimetria da pena, considerando a natureza, gravidade, o proveito patrimonial obtido com o ato ímprobo, conseqüência para os administrados e extensão do dano, observando, igualmente, o princípio constitucional da razoabilidade.
Por isso mesmo, o legislador promove uma divisão das modalidades de improbidade administrativa, classificando-as em três seções pertencentes ao capítulo II da norma em exame, constituindo-se ato ímprobo, que importa em enriquecimento ilícito (art. 9° e incisos), causadores de prejuízos ao erário (art. 10 e incisos), bem como os atentatórios aos princípios da administração pública (art. 11 e incisos).
Observe-se, oportunamente, que o prazo prescricional para aplicação das sanções decorrentes do ato de improbidade administrativa, gera muitas discussões polêmicas no âmbito jurisprudencial, apresentando certa dificuldade na delimitação da estabilidade e segurança jurídica nos atos punitivos da Lei n° 8.429/92.
Afigura-se imprescritível a conduta praticada pelo agente público ou não na forma do artigo 10 da LIA que acarreta prejuízos ao erário, eis que o artigo 23 da Lei que delimita o prazo de cinco anos para efetuar as sanções da norma, disciplina somente a primeira parte do § 5° do artigo 37 da Constituição Federal[8]. A norma, no entanto, ressalvou as ações de ressarcimento ao erário, previstas na parte final do texto constitucional.[9]
Assim, incide o prazo prescricional de cinco anos, estabelecido no artigo 23, I e II da LIA, concernente as sanções – aplicadas pelo magistrado aos agentes envolvidos –, de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratar com o Poder Público.
O Eg. STJ já se manifestou no Informativo n° 406/2009, em tema de prazo prescricional de Ação de Improbidade Administrativa, proposta em face de agente político, após o término do segundo mandato, oriundo do instituto da reeleição, introduzida no ordenamento jurídico pátrio, através da Emenda Constitucional n° 16/97, concluindo-se pela imprescritibilidade, eis que “a Lei de Improbidade associa, no art. 23, I, o início da contagem do prazo prescricional ao término de vínculo temporário, entre os quais o exercício de mandato eletivo”, “Em razão disso, o prazo prescricional deve ser contado a partir do fim do segundo mandato. O administrador, além de detentor do dever de consecução do interesse público, guiado pela moralidade – e por ela limitado –, é o responsável, perante o povo, pelos atos que, em sua gestão, em um ou dois mandatos, extrapolem tais parâmetros.” “No que concerne à ação civil pública em que se busca a condenação por dano ao erário e o respectivo ressarcimento, este Superior Tribunal considera que tal pretensão é imprescritível, com base no que dispõe o art. 37, § 5º, da CF/1988. REsp 1.107.833-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/9/2009.”
Concluo e afirmo, após breve estudo apresentado neste artigo científico, que a Lei de Improbidade Administrativa (n° 8.429/92) – não obstante a patológica impunidade brasileira por parte das instituições de controle –, ainda assim –, é muito temida por agentes públicos desonestos, diante das sanções gravosas expressas na norma, tais como, ressarcimento integral do dano, perda de funções públicas, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com a administração, em relação aos demais diplomas de controle dos atos da administração publica (Lei de Ação Popular).
Ao cidadão caberá a fiscalização da efetividade no cumprimento da Lei, acompanhando e reprovando quaisquer ações de flexibilização do diploma em questão[10], salutar instrumento de busca incessante da moralidade nas instituições governamentais, uma conquista consolidada na sociedade.
MELLO, Filipe Schitino Silva de. Considerações importantes sobre a Lei de Improbidade Administrativa. Blog Advogado Filipe Schitino, Nova Friburgo, ano 2009. Disponível em: http://advogadofilipeschitino.blogspot.com/
[1] Advogado militante na cidade de Nova Friburgo/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes/Nova Friburgo.
[2] CF/88:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4° Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
[3] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 5ª. Ed. Porto Alegre: Globo, 1975, pág. 384/385.
[4] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Do excessivo caráter aberto da Lei de Improbidade Administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 637, 6 abr. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6540. Acesso em: 27 nov. 2009.
[5] Lei n° 8.429/92:
(...)
“Art. 2° - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas.”
[6]GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Vol. I. 6ª. Ed. Niterói: Impetus, 2006, pág. 180 e 181.
[7] In ob. cit. pág. 208.
[8] “Art. 37 (…)
§ 5° A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
[9] v. REsp. n° 1069779 / SP – Dje. 12/11/2009 – Rel. Min. Herman Benjamin
[10]CHAGAS, Marcos. Homepage Direito do Estado <www.direitodoestado.com.br/noticias/8713/Promotores-se-mobilizam-para-barrar-aprova%C3%A7%C3%A3o-pela-C%C3%A2mara-da-Lei-da-Morda%C3%A7a> Clipping Agência Brasil. Acesso em 27 de novembro de 2009. “Os representantes do Ministério Púbico iniciam na próxima semana uma mobilização em todo o país contra o projeto de lei do deputado Paulo Maluf (PP-SP), conhecido como "Lei da Mordaça", que estabelece penas para autores de ações públicas e populares quando o juiz da causa julgar que houve má-fé, perseguição política ou intenção de promoção pessoal no processo aberto pelos promotores. O movimento será encabeçado pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).”