PEÇAS PROCESSUAIS SELECIONADAS: Ação Cautelar Preparatória - Programa de TV
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ª VARA CÍVEL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO URGENTE
(Previsão de encerramento do Programa "BBB 10" em 30/03/2010) ACP nº 0006642-51.2010.4.03.6100 Inquérito Civil Público n.º: 1.34.001.001748/2010-66 Ref.: MEIOS DE COMUNICAÇÃO. SAÚDE PÚBLICA. Programa de Prevenção de DST/AIDS. “Big Brother Brasil”. Rede Globo de Televisão. Declaração errônea de participante do programa acerca da contração do vírus HIV. Contrapropaganda à prevenção.
O Ministério Público Federal, pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão infra assinado, comparece perante Vossa Excelência para, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal de 1988, art. 6.º, VII, b, da Lei Complementar n.º 75/93, art. 1.º, V, e art. 4.º, ambos da Lei n.º 7.347/85 e art. 798 do Código de Processo Civil, propor a presente
AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA
com pedido de liminar
em face de GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A., empresa concessionária de serviço público federal de radiodifusão, inscrita sob o CNPJ/MF n.° 27.865.757/0001- 02, sediada na Rua Lopes Quintas, n.° 303, Jardim Botânico, Rio de Janeiro/RJ; e UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua da Consolação n.º 1875, 5.º andar, Cerqueira César, São Paulo (SP), CEP 01.301-100, na pessoa de seu representante legal, pelas razões de fato e direito que passo a expor:
I - Do objeto
A presente ação cautelar visa obter provimento jurisdicional que imponha as seguintes obrigações de fazer: a) à Rede Globo que exiba durante a 10.ª edição do reality show Big Brother Brasil um quadro de esclarecimento à população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, com duração de, no mínimo, o dobro de tempo utilizado para exibição das informações equivocadas no dia 09 de fevereiro último; e b) à UNIÃO, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, que proceda à fiscalização da referida exibição. Em atenção ao que dispõe o art. 801, inciso III, do Código de Processo Civil (indicação da lide e seu fundamento), deve-se dizer que a presente ação cautelar é preparatória de ação civil pública a ser proposta em face das rés, visando coibir a prática de exibir informações, declarações e opiniões que contrariem as orientações do Programa de Prevenção e Tratamento DST/AIDS, sem posterior explicação detalhada do assunto.
II – Dos Fatos
A presente ação cautelar advém do Inquérito Civil Público n.º 1.34.001.001748/2010-66, cuja cópia dos autos segue anexa, na qual consta que no dia 02 de fevereiro de 2010, no Programa “Big Brother Brasil 10”, reality show produzido pela Rede Globo, o participante Marcelo Dourado declarou que um homem portador do vírus da AIDS “em algum momento teve relação com outro homem”. Afirmou, ainda, que “hetero não pega AIDS, isso eu digo por que eu conversei com médicos e eles me disseram isso. Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem”. A conversa dos participantes sobre o assunto durou alguns minutos e foi veiculada pela Rede Globo no programa do dia 09/02/2010, conforme se pode ver pela gravação constante do CD que consta anexo.
Assim, mesmo sabendo que a informação estava equivocada, a Rede Globo a incluiu na edição dos supostos “melhores” momentos da semana, exibida no dia 09/02/2010, ou seja, mesmo tendo a opção de exibir ou não tal informação, pois se tratava de imagem gravada, a Rede Globo optou por exibí-la, prestando um desserviço para a prevenção da AIDS no Brasil. Ainda, após veicular referidas declarações, a emissora ré deixou de fornecer informações corretas sobre as formas de transmissão do vírus HIV, atentando contra os programas de prevenção de doenças adotados pelos Poderes Públicos. Diante desta situação, esta Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão solicitou informações à emissora-ré, indagando as providências tomadas para reparar o dano ocasionado à sociedade.
Em resposta, a emissora-ré prestou, de forma resumida, as seguintes informações (fls. 48/49): "Por ser um reality show o BBB não conta com um roteiro preestabelecido, sendo totalmente espontâneas as manifestações de seus participantes. Essa é a principal característica do programa, o que possibilita ao público optar por seus favoritos em razão das diferentes idéias e personalidades por estes demonstradas. Diante da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão conferidas aos participantes do programa, qualquer declaração por eles prestada sobre os mais variados temas em nada espelha a opinião e/ou orientação da TV GLOBO ou de seus funcionários sobre estes. (...) Desta forma, não restam dúvidas, que qualquer manifestação preconceituosa ou equivocada sobre forma de contágio da AIDS feita pelo participante do BBB 10 Marcelo Dourado ou qualquer outro, não reflete o posicionamento da TV Globo sobre o tema. (...)
Entretanto, mesmo diante de todas as ressalvas feitas acima quanto à responsabilidade dos participantes do BBB 10 por suas afirmações, no mesmo programa onde foi exibida a declaração que deu causa ao presente ofício, o apresentador Pedro Bial fez os seguintes esclarecimentos: "As opiniões e batatadas emitidas pelos participantes deste programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes deste programa. Para ter acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV acesse o site do Ministério da Saúde."
Simultaneamente o endereço com o site do Ministério apareceu no canto inferior do vídeo. O esclarecimento feito pelo apresentador do programa foi a providência tomada pela TV Globo, por liberalidade, em razão do seu compromisso com as causas socialmente relevantes, para afastar qualquer tipo de prejuízo que a declaração emitida pelo participante do BBB 10 pudesse provocar as diretrizes do programa de prevenção e tratamento da AIDS elaborado pelo Governo." - destaque nosso Desse modo, apesar de reconhecer o efeito lesivo e irresponsável da afirmação do participante do citado reality, a Rede Globo limitou-se a dizer que não era de sua responsabilidade a afirmação e orientou os telespectadores a consultarem o site do Ministério da Saúde buscando saber acerca da transmissão do HIV.
Frise-se que a lesão social ocasionada pela citada declaração é evidente, ante o grande poder persuasivo e formador de opinião que detém o meio televisivo perante a sociedade brasileira, agravada neste caso pelos altos índices de audiência do referido reality show1. Além disso, segundo recentes pesquisas, o contágio pelo vírus HIV cresce de forma mais intensa entre as mulheres casadas e as pessoas idosas, tornando ainda mais perigosa a informação equivocada exibida pela Rede Globo, o que impõe a atuação do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário no sentido de tentar minimizar os danos que já foram e poderão ser causados.
II – Do Direito
Conforme previsto no art. 196 da Constituição Federal, o direito à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas, devendo ser velada pelo Poder Público, ao qual compete formular e implementar políticas sociais e econômicas que visem o acesso igualitário à assistência médica hospitalar, bem como a criação de programas de prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS. Não obstante a garantia constitucional de liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da Constituição Federal, dispõe o art. 221 do mesmo diploma que toda a produção e programa de rádio e televisão deve se submeter à preservação dos valores éticos e sociais da pessoa e da família: 1 No seu programa de estréia, o BBB 10 atingiu o pico de 30 pontos de audiência, segundo o IBOPE. Frise-se que cada ponto corresponde a 60 mil residências.
"Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família." No mesmo sentido: "1. A ordem constitucional, estabelecida pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5.º, inciso IX, inscreve: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
Não bastasse, a mesma Carta, no seu artigo 220, § 2.°, afirma que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Porém, acrescenta, no seu artigo 221, caput e inciso IV, que "a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: (...) IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família." 2. A inteligência das normas acima transcritas, deixa inequívoco que é defeso ao Estado estabelecer qualquer mecanismo de censura, de natureza política, ideológica ou artística, contra qualquer atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação social. Porém, isso não quer significar que esses valores colocam-se em patamar absoluto, não devendo reverência a valores igualmente relevantes e igualmente consagrados pela Constituição Federal. 3. À luz dos princípios de interpretação da Constituição Federal, quais sejam, o de sua unidade, o da concordância prática e o da harmonização de seus princípios, evidente que, em face da norma expressa da proibição da censura e da norma, também expressa, que impõe às emissoras de rádio e televisão a produção e a exibição de programas que respeitem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, este segundo princípio se sobressai, no caso concreto, como merecedor de proteção maior, pois está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, que se traduz como um conjunto de valores espirituais e morais inerentes a cada ser humano. 4. Frise-se, referido filme poderia ter sido exibido, como de fato foi, em todo o país, em salas fechadas de cinema, ou em outros ambientes fechados.
Porém, a objeção de exibição, em rede aberta de televisão, não deve ser classificada como ato de censura e sim de limitação para a proteção de valor igualmente relevante para a preservação das condições de convivência social. Essa limitação se configura como recurso legítimo do arsenal do poder de polícia do Estado. 5. E nem se diga que se trata de ingerência indevida, conquanto a família, base da sociedade, goza de especial proteção do Estado e esta pode se concretizar, perfeitamente, por meio de medidas que assegurem ao grupo familiar acesso aos meios de cultura, entretenimento e informação com razoável qualidade, protegida contra conteúdos agressivos e deletérios. Isso não significa, necessariamente, postura paternalista e sim conduta ativa na defesa de relevantes valores coletivos. 6. Apelação a que se dá provimento.(...).2 (grifo nosso)
A emissora ré é uma concessionária do serviço público federal de radiofusão de sons e imagens, devendo, portanto, pautar-se pelos princípios norteadores expressos no art. 37 da Carta Magna, compatibilizando a comunicação social com os demais preceitos constitucionais como, nesse caso, o direito à informação correta. Exatamente como dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional de direitos humanos, ratificado pelo Brasil em 25 de abril de 1992: "Art. 13 - Liberdade de Pensamento e de Expressão: 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas as responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral pública." Importante ressaltar que o direito de receber informações verídicas é um direito de todos os cidadãos, não importando raça, credo ou convicção político-filosófica, tendo em vista que grande parte da sociedade forma suas convicções com base nas informações veiculadas em programas de rádio e televisão. 2 TRF 3a. Região. AMS 93.03.109414-0/SP. Rel.: Juiz Federal Valdeci dos Santos (convocado). Turma Suplementar da 2a. Seção. Decisão: 27/03/2008. DJ de 09/04/2008, p. 1285.)
Nesse sentido: “A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos”3 Na situação ora relatada, ao veicular uma afirmação completamente equivocada acerca das formas de contrair ou transmitir o vírus HIV, em um dos programas de maior audiência de sua grade televisiva, a TV Globo deixou de atender aos princípios da legalidade e moralidade, além de desrespeitar o disposto no art. 28 do Regulamento dos Serviços de Radiofusão (Decreto Presidencial n° 52.795/63), que obriga as concessionárias a “subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão.” Ainda, ao não se retratar e esclarecer a sociedade logo após a exibição das referidas imagens, a emissora ré atentou contra os programas de prevenção de doenças adotados pelos Poderes Públicos, constituindo verdadeira contrapropaganda, diante de seu grande poder convencimento.
Assim, além de desrespeitar a proteção constitucional à prestação de informações verdadeiras ao transmitir a já descrita cena, não esclareceu aos telespectadores que se tratavam de afirmações absurdas. Pelo contrário, limitou-se a indicar o site do Ministério da Saúde, para que, aqueles que desejassem maiores esclarecimentos, pesquisassem suas dúvidas. Ocorre que a internet não pode ser considerada o meio mais democrático de acesso à informações em um país cuja parte considerável da população se compõe de analfabetos e semianalfabetos. Será que todos aqueles que tiveram acesso a um dos programas de maior audiência da emissora mais popular do país têm, também, acesso à internet para tirarem suas dúvidas em relação ao vírus HIV? 3 ADPF 130 – DF, Relator Ministro Carlos Britto. DJ 30/04/2009, Tribunal Pleno
No papel de formadora de opinião e moderadora de costumes, a emissora ré deveria cumprir sua função social e esclarecer a sociedade, que tanto necessita de instrução. Mas, após utilizar-se da grande repercussão gerada com a exibição da citada cena, prestou um verdadeiro desserviço, ao deixar a responsabilidade do que foi dito a seus ouvintes. No plano infraconstitucional, a Lei 8.987/1995, que estabelece o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, dispõe em seu art. 29 que “incumbe ao Poder Concedente regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação.”
Ou seja, ao conceder o serviço de exploração, concessão e radiofusão, como prevê o art. 21, inciso XII, alínea a, da Constituição Federal, a União fica obrigada a fiscalizá-lo para que seja adequadamente prestado à população, além de aplicar penalidades de natureza administrativa aos concessionários pelo não cumprimento em conformidade com a lei ou seus princípios. No entendimento de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “Embora tenha natureza de contrato administrativo, a concessão apresenta algumas peculiaridades: […] 2. O poder concedente só transfere ao concessionário a execução do serviço, continuando titular do mesmo, o que lhe permite dele dispor de acordo com o interesse público[...]”4 - (grifo nosso) Ante a omissão dos órgãos administrativos da União, incumbidos de fiscalizar as concessões públicas de rádio e TV, compete à Justiça conferir efetividade ao princípio fundador da ordem social, exigindo responsabilidade em relação às informações veiculadas por concessionárias do serviço de radiofusão. Em suma, caracterizada a infração cometida pela emissora ré, torna-se ainda mais evidente a inércia da Administração Pública em fiscalizar os direitos de sinais de televisão concedidos, consoante o disposto no art. 21 da Constituição Federal. III - Da Legitimidade Ativa do Ministério Público Federal e Competência da Justiça Federal A Constituição Federal, em seu art. 129, incisos II e III, atribui ao Ministério Público a função institucional de promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos, inclusive no que diz respeito às medidas 4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 19ºed, Atlas, 2006 , p. 299 que visem assegurar o efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição.
No mesmo sentido, o art. 6.° da LC 75/93, estatui: "Art. 6.º Compete ao Ministério Público da União: [...] VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c)a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d)outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos." Trata-se de legítimo interesse difuso, conforme ensina Barbosa Moreira: “O INTERESSE EM DEFENDER-SE ‘DE PROGRAMAS OU PROGRAMAÇÕES DE RÁDIO E TELEVISÃO QUE CONTRARIEM O DISPOSTO NO ART. 221’ ENQUADRASE COM JUSTEZA NO CONCEITO DE INTERESSE DIFUSO. (...) Com efeito: em primeiro lugar, ele se caracteriza, à evidência, como ‘TRANSINDIVIDUAL’, já que não pertence de modo singularizado, a qualquer dos membros da comunidade, senão a um conjunto indeterminado – e, ao menos para fins práticos, indeterminável – de seres humanos. Tais seres ligam-se uns aos outros pela mera circunstância de fato de possuírem aparelhos de televisão ou, na respectiva falta, costumarem valer-se do aparelho do amigo, do vizinho, do namorado, do clube, do bar da esquina ou do salão de barbeiro.
E ninguém hesitará em qualificar de INDIVISÍVEL o objeto de semelhante interesse, no sentido de que cada canal, num dado momento, transmite a todos a mesma e única imagem, nem se concebe modificação que se dirija só ao leitor destas linhas ou ao rabiscador delas”5 5 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação Civil Pública e Programação de TV. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, 1995. p. 243/244.
Por se tratar de uma concessionária de serviço público, a Globo Comunicação e Participações S.A. exerce função da Administração Pública, devendo pautar-se pelos princípios instituídos no art. 37 da Carta Magna. Além disso, conforme disposto no art. 5.º, inciso IV, da Lei Orgânica do Ministério Público Federal (Lei Complementar n.º 75/93), ao Ministério Público Federal compete “zelar pelo efetivo respeito dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social”.
No mesmo sentido, caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme voto do relator: [...] Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
Deveras, é mister conferir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129)[...]6 - grifo nosso Ainda, em uma decisão do TRF 1.ª Região, tem-se: "I - Não configurada, a espécie, qualquer das hipóteses previstas no art. 295 do CPC, não prospera a preliminar de inépcia da petição inicial. II - Apregoa a Constituição da República, em vigor, que "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (CF, art. 127, caput), arrolando, entre suas funções institucionais, a de "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (CF, art. 129, III).
Nessa linha de determinação, a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, estabelece, entre as diversas funções institucionais do Ministério Público da União, a de "zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente" (art. 5.º, II, d), promover a defesa dos "direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso" (art. 5.º, III, e), cabendo-lhe, ainda, promover "a proteção dos direitos constitucionais, de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos sociais, difusos e coletivos", propondo "ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos" (art. 6.º, incisos VII, a e d e XII), incluindo-se aí a preservação dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, a que devem se submeter toda produção e programa de rádio e televisão, neste País, em homenagem à auto-aplicabilidade do disposto no art. 221, da nossa Carta Magna. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal que se rejeita.”7 - grifo nosso 6 RECURSO ESPECIAL – 681012, Processo: 200401189299 UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 06/10/2005,Relator(a) LUIZ FUX 7TRF - PRIMEIRA REGIÃO, Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 200330000024770 Processo: 200330000024770, UF: AC, Órgão Julgador: SEXTA TURMA, Data da decisão: 19/03/2007
Ao não fiscalizar o conteúdo exibido pelas emissoras concessionárias, a União Federal permitiu a veiculação de falsas informações no serviço público de televisão, gerando prejuízos a toda a sociedade brasileira, motivo pelo qual a mesma é alocada no pólo passivo dessa ação. Assim, nos termos do art. 109 da Carta Magna, compete à Justiça Federal, na qual o órgão atuante é o Ministério Público Federal, processar e julgar as causas em que a União for ré. Em suma, faz-se necessária a intervenção e atuação do Ministério Público Federal, diante do fato de o serviço público não ter sido prestado nem fiscalizado de forma correta, ou seja, condizente com os princípios e normas do Direito Público, regime pelo qual é baseado. Ressalte-se, novamente, que o serviço de radiofusão é caracterizado como direito coletivo, sendo de propriedade da União, a qual concedeu o uso a particular.
IV – Da Concessão da liminar
O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que a emissora ré exiba durante a 10.ª edição do reality show Big Brother Brasil um quadro de esclarecimento à população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, com duração de, no mínimo, o dobro de tempo utilizado para exibição das informações equivocadas no dia 09 de fevereiro último, e a UNIÃO, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, proceda à fiscalização da referida exibição. Nos termos do art. 797 do Código de Processo Civil, é cabível a concessão de medida liminar, sem oitiva da parte adversa, em sede de provimentos cautelares.
A respeito, estabelece o aludido preceito: "Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes". Esta é a exatamente a hipótese dos autos, haja vista que se intimada a parte ré e esperada as respectivas respostas, estará finalizado o Programa BBB 10 e não será mais possível, nesta edição, reparar o dano ocasionado à sociedade brasileira. Além disso, o art. 4.º c.c. art. 12, ambos da Lei n.º 7.347/85 autorizam expressamente a concessão de medidas cautelares ainda que sem justificativa prévia no âmbito das ações civis públicas. No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma processual para o deferimento da medida liminar, encontram-se devidamente preenchidos.
A existência do fumus boni iuris mostra-se clara, patenteado na fundamentação supra, em que se demonstra o descumprimento de relevantes princípios constitucionais e o desrespeito a direitos fundamentais das pessoas. Além disso, a urgência, ou periculum in mora é cristalina, haja vista que se não concedida a tutela cautelar, em caráter liminar, o público alvo do programa continuará desinformado. Vale dizer, caso o provimento jurisdicional seja concedido de plano, há concreta possibilidade de se reparar o desserviço prestado à população. Se os esclarecimentos da área de saúde forem transmitidos na mesma edição do programa, atingirão grande parte dos mesmos espectadores do dia 09 de fevereiro de 2010.
Cabe frisar, ainda, que o Programa BBB 10 tem encerramento previsto para o dia 30 de março próximo, conforme informações divulgadas pela imprensa. Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar, requer o Ministério Público Federal, com espeque no art. 797 e seguintes do Código de Processo Civil, o seu deferimento, inaudita altera parte, para o fim de determinar que:
a) a Rede Globo exiba durante a 10.ª edição do reality show Big Brother Brasil um quadro de esclarecimento à população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, com duração de, no mínimo, o dobro de tempo utilizado para exibição das informações equivocadas no dia 09 de fevereiro último; e b) a UNIÃO, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, proceda à fiscalização da referida exibição.
V- Do pedido
Não obstante a liberdade dos meios de radiofusão, esses devem compatibilizar a comunicação social com os demais preceitos constitucionais como, nesse caso, o direito à informação correta. Isto posto, concedida a liminar, o Ministério Público requer: a) citação das rés para que componham o processo e, querendo, contestem os fatos alegados, sob pena de sofrerem os efeitos da revelia; e b) a confirmação/ratificação, por sentença definitiva de mérito, do pedido de liminar. Requer ainda, a isenção do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nos termos do que dispõe a Lei 7.347/85.
Procuradoria da República no Estado de São Paulo Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão Protesta o autor, provar os fatos alegados por todos os meios admitidos em Direito, notadamente juntada de documentos, oitiva de testemunhas e a realização de perícias.
Dá-se a presente causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Termos em que, Pede Deferimento. Marília, 23 de março de 2010.
JEFFERSON APARECIDO DIAS
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão
FONTE: MPF-SP