REFORMA ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE NOVA FRIBURGO-RJ

Filipe Schitino[1]

Nova Friburgo precisa caminhar rumo à profissionalização da administração pública. Não podemos aceitar o atual modelo vetusto de gestão, comprometendo, sobremaneira, a eficiência dos serviços prestados ao cidadão.

Existe luz no fim do túnel?:

“Reforma administrativa na Prefeitura vai cortar 1,2 mil cargos de confiança

Governo também pretende diminuir número de secretarias


Demorou, mas, enfim, nasceu a proposta de reforma administrativa da Prefeitura. Em discussão desde a eleição do então candidato Heródoto Bento de Mello, o governo municipal entregou esta semana à Câmara o anteprojeto que prevê a extinção de algumas secretarias e departamentos e a criação de algumas novas pastas.


De acordo com a proposta encaminhada pela atual administração, o número de secretarias será reduzido para 23, já levando em consideração a criação das pastas de Ordem Urbana, Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Leitura, Assistência Social e Trabalho e ainda Ciência e Tecnologia. Atualmente, o município conta com mais de 30 secretarias.

As autarquias de trânsito (Autran) e de água e esgoto (Amae) serão mantidas.

Já a autarquia de habitação (Emha) está sendo extinta, e suas funções incorporadas pela secretaria de Habitação, Urbanismo, Mobilidade e Transporte, que passará a ter um papel maior na pretendida reforma.

O projeto também cita a transformação do Pró-Memória numa futura fundação e extingue vários programas, inclusive o Piac e o Prourb. Segundo estimativas, o número de cargos de confiança nos principais escalões do governo municipal serão (sic) reduzidos de 1,8 mil para 659 cargos.


O projeto mantém todos os conselhos e fundos municipais existentes. As secretarias de Comunicação Social e Gabinete passam a ter status de assessorias do prefeito. Na proposta encaminhada ao Legislativo, o prefeito propõe a criação de um conselho gestor, composto por seis secretários, que atuarão como auxiliares diretos nas questões gerenciais do governo.


A matéria ainda não tem data para ser apreciada pelo plenário da Câmara, mas, segundo informações, será votada ainda este ano. A urgência deve-se ao fato de que a previsão de gastos com a reforma administrativa já foi incluída na proposta de orçamento municipal de 2010.”

FONTE: JORNAL A VOZ DA SERRA * Edição Eletrônica de 18/11/2009

Infelizmente, não tive acesso ao texto do anteprojeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo do município ao Legislativo. A Prefeitura de Nova Friburgo e a Câmara Municipal poderiam disponibilizar – em arquivo PDF – cópia eletrônica do documento à população, para consulta e estudo.

Porém, nada obsta de tecermos alguns comentários sobre a notícia em questão de tamanha importância para o progresso do município.

Louvável a extinção de secretárias e departamentos que não se coadunam com o conceito moderno de administração pública, tais como “Secretaria de Serviços Públicos”, “Secretaria de Turismo”, “Secretaria de Cultura”, bem como os programas e projetos com status de secretaria, integrantes da administração direta do município – “Projetos Especiais”, “Programa Integrado de Ação Comunitária”, “Programa de Desenvolvimento do Trabalho”, entre outros.

Cada órgão, sobre a ótica da Administração Direta (Secretárias, Departamentos e Programas) detém uma estrutura organizacional composta de quadro de servidores, dotado de poder, atribuições e competência própria definida por lei, não possuindo personalidade jurídica própria, autonomia financeira e administrativa.

Toda reforma administrativa impõe mudanças de relevância na estrutura de governo, através do fenômeno da desconcentração da administração direta – modificação de atribuições para órgãos diversos de natureza despersonalizada e sem personalidade jurídica –, e descentralização, inerente a administração indireta, conceituada como o conjunto de instituições dotadas de personalidade jurídica, patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, vinculadas a administração direta nos termos do Decreto Lei n° 200/67.

Diante da inoperância da Empresa Municipal de Habitação de Nova Friburgo (EMHA), oriunda da EMHASA (finada empresa pública de habitação e saneamento da cidade), que sobreviveu há muitos governos, sem apresentar projetos efetivos na área de competência, servindo como moeda de troca política, faz-se necessária a sua extinção.

Nesse sentido, interessante abordar o papel da Autarquia Municipal de Água e Esgoto (AMAE). Criada a partir da extinção da EMHASA, teve como objeto a captação e distribuição dos serviços de água e esgoto do município, numa fase anterior ao processo de concessão do r. serviço em 1999.

Após o processo de concessão dos serviços de água e esgoto do município de Nova Friburgo, a AMAE ganhou status de autarquia de fiscalização do serviço prestado pela empresa Águas de Nova Friburgo (ex-Caenf) e não cumpre de forma eficiente tal finalidade, eis que o órgão, com reduzido corpo operacional e técnico, apresenta condições precárias de funcionamento. Seus cargos, também servem como moeda de troca política.

As Secretarias de Ordem Urbana, Planejamento e Desenvolvimento Econômico e Ciência e Tecnologia, detém um perfil de caráter técnico e precisam de profissionais especializados para conduzir as pastas com eficiência, cumprindo-se as finalidades legais, sob pena de se transformar em mais um engodo dos “PIAC’s e PROURB’S da Prefeitura de Nova Friburgo, abrigando siglas partidárias dentro da administração.

Com a devida venia e respeitando as opiniões divergentes, considero equivocada a criação da Secretaria Municipal de Leitura e Fundação Pró-Memória, tendo em vista a possibilidade do aumento de gastos de dinheiro público com programas de trabalho semelhantes à Secretaria Municipal de Educação dentro do orçamento, bem como a ausência – por décadas – de políticas publicas de criação de museus e preservação da história do município, no que tange a segunda pasta. Sem política pública bem delimitada – incentivo a leitura e preservação da história do município –, correremos riscos de presenciar um proselitismo fora do comum no preenchimento dos cargos em questão.

O Governo Municipal poderia, sem sombra de duvida, ao invés de instituir a Fundação Pró-Memória, transformar o nosso PROCON, órgão atualmente vinculado a administração direta – que conta com servidores abnegados em face da estrutura precária do órgão, com ausência de viaturas, salas inadequadas e corpo técnico qualificado para fiscalizar e punir eventuais abusos praticados nas relações de consumo em face da população –, numa fundação integrante da administração indireta, objetivando a eficiência na proteção e defesa do consumidor em respeito à Lei n° 8.078/90, possibilitando ao órgão, o ajuizamento de Ações Civis Públicas em favor da coletividade.

Sobre a questão dos milhares de servidores públicos municipais envolvidos nesta reforma administrativa, faz-se mister abordarmos a redução dos cargos comissionados e funções de confiança na administração que se mostra irretorquível neste ponto.

Temos que analisar com reservas a política de redução dos chamados cargos de confiança aos olhos do artigo 37, V[2] da Constituição Federal.

O Chefe do Executivo deveria enviar um projeto de lei a Câmara Municipal, regulamentando os percentuais mínimos para preenchimento dos cargos comissionados e funções de confiança, de direção, chefia e assessoramento na administração pública, por servidores de carreira (cargos comissionados) e ocupantes de cargos efetivos (funções de confiança), moralizando o preenchimento e privilegiando os servidores efetivos, criando-se mecanismos de continuidade na execução de políticas públicas, blindando-as de governos ocasionais e que trabalham para satisfações pessoais e de grupos políticos e econômicos.

O cargo em comissão é preenchido sem a prévia realização e aprovação do servidor em concurso público, para exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, de caráter excepcional e não permanente, afigurando-se inconstitucional por violação ao princípio do concurso público, a criação de cargos comissionados para exercício de funções burocráticas na administração pública.

Por sua vez, a função de confiança, também, de caráter não permanente, quanto à execução das funções, de livre nomeação e exoneração por parte da autoridade nomeante, conceitua-se em acréscimo de vencimento, mediante o pagamento de gratificação ao servidor efetivo. A função de confiança deve ser instituída em face da não justificativa de criação do cargo em comissão.

A matéria do jornal silencia a respeito de adoção de medidas acerca do envio de anteprojeto de lei a Câmara Municipal, dispondo sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do município e implementação do Regime Jurídico Único de natureza Estatutária, diante da inconstitucionalidade prolatada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI n° 2.135-4, sobre a Emenda Constitucional de n° 19/98 que proporcionou nova redação ao artigo 39 da CF/88[3], autorizando a contratação por regime celetista na administração pública.

O município terá pela frente um abacaxi enorme para descascar, pois implementará uma reforma administrativa muito complexa, submetendo tais modificações num quadro repleto de servidores “temporários” (sem concurso), enfrentando longos processos judiciais sobre a legitimidade dos concursos públicos municipais de 1999 e 2007.

Por isso, antes de sinalizar a possibilidade de realização de novo concurso público, defendo a tese da realização do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), entre as partes envolvidas, colocando fim a tais imbróglios judiciais sobre a legitimidade dos concursos públicos da Prefeitura, fixando o cumprimento das sentenças judiciais por parte do município, bem como o pagamento de indenização num prazo estabelecido, estudando a situação de cada servidor, caso a caso.

Em caso de vitória dos servidores nos processos judiciais referentes aos concursos de 1999 e 2007, ocorrerá um caos administrativo no município, independente da implementação da reforma administrativa que certamente criará, transformará e extinguirá cargos, empregos e funções públicas na administração.

Além do pagamento de vultosas indenizações, acarretando um impacto financeiro nas contas públicas, a criação de cargos (novos cargos na estrutura da administração), extinção (eliminação de cargos) e transformação (extinção e criação simultânea de cargos), a reintegração dos servidores atingidos, colocará em prática o fenômeno do reingresso aos quadros do serviço público por aproveitamento e retorno do servidor a determinado cargo em face da extinção do cargo anterior que ocupara antes do imbróglio jurídico dos concursos públicos da cidade. O servidor reintegrado fará jus à disponibilidade remunerada até o aproveitamento a nova estrutura administrativa proposta pelo Governo Municipal.

Ante o exposto, entendo pela estruturação premente dos seguintes órgãos da Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, objetivando a profissionalização da administração pública, sugerindo os seguintes pontos:

a) Estruturação e modernização da Procuradoria-Geral do Município, adotando-se os argumentos no artigo produzido por mim intitulado “Advocacia Pública Municipal Independente”; http://advogadofilipeschitino.blogspot.com/2009/10/advocacia-publica-municipal.html

b) Criação da Fundação Cultural de Nova Friburgo (FUNCULTURA-NF), Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de Nova Friburgo (FUNDAÇÃO PROCON-NF) e Empresa Friburguense de Turismo e Eventos LTDA (EMFRITUE) (empresa pública), órgãos pertencentes à administração indireta, composta, dentro da estrutura organizacional, por presidente, conselho diretor, procuradoria e quadro próprio de servidores de qualificação técnica, compromissados com as finalidades institucionais de cada órgão;

c) Criação da Agência Reguladora[4] dos Serviços Concedidos de Nova Friburgo (ARESCONF), extinguindo-se a AMAE, nos termos dos artigos 30, incisos I e V[5] e 182[6], ambos da CF/88, para fiscalizar a execução dos serviços públicos concedidos e prestados no município pelas empresas Águas de Nova Friburgo (ex-Caenf) (água e esgoto), Empresa Brasileira de Meio Ambiente S/A (EBMA) (coleta de lixo) e Friburgo Auto Ônibus LTDA (FAOL) (transporte público), com a missão técnica e qualificada de controlar as pessoas privadas que prestam serviços públicos na forma de concessão e permissão de serviços públicos, bem como a política tarifária;

d) Ampliação da Coordenadoria de Controle Interno do Município, com a criação de cargos de auditor, para desenvolver os preceitos contidos no artigo 31 caput[7] da Constituição da República, comprovando-se a legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência, eficácia da gestão financeira e orçamentária na administração pública direta e indireta, participando, inclusive, de tomada de contas;

e) Elaboração do Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Nova Friburgo, com adoção do Regime Jurídico Único de Previdência (Fundo Municipal de Previdência nos termos do artigo 40 da CF/88[8]) e planos de carreira, diante do resultado da ADI n° 2.135-4/2000 no Eg. STF.

MELLO, Filipe Schitino Silva de. Reforma Administrativa do Município de Nova Friburgo-RJ. Blog Advogado Filipe Schitino, Nova Friburgo, ano 2009. Disponível em: <http://advogadofilipeschitino.blogspot.com/>

[1] Advogado militante na cidade de Nova Friburgo/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes/Nova Friburgo
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
[3] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (v. ADIN nº 2.135-4)
[4] “No processo de modernização do Estado, uma das medidas preconizadas pelo Governo foi a da criação de um grupo especial de autarquias a que se convencionou denominar de agências, cujo objetivo institucional consiste na função de controle de pessoas privadas incumbidas da prestação de serviços públicos, em regra sob a forma de concessão e permissão, e também na de intervenção estatal no domínio econômico, quando necessário para evitar abusos nesse campo, perpetrados por pessoas da iniciativa privada.” (FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003, pág. 382.)

[5] Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;
(...)
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
[6] Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
[7] Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
[8] Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

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